quarta-feira, 5 de maio de 2010

Carta de um delegado a um bandido

"Senhor bandido,

Este termo de senhor que estou usando é para evitar que macule sua imagem ao lhe chamar de bandido, marginal, delinquente ou outro atributo que possa ferir sua dignidade, conforme orientações de entidades de defesa dos Direitos Humanos.

Durante vinte e quatro anos de atividade policial, tenho acompanhado suas "conquistas" quanto à preservação de seus direitos, pois os cidadãos e especialmente nós policiais estamos atrelados às suas vitórias, ou seja, quanto mais direitos você adquire, maior é nossa obrigação de lhe dar segurança e de lhe encaminhar para um julgamento justo, apesar de muitas vezes você não dar esse direito às suas vítimas. Todavia, não cabe a mim contrariar a lei, pois ensinaram-me que o Direito Penal é a ciência que protege o criminoso, assim como o Direito do Trabalho protege o trabalhador, e assim por diante.
Questiono que hoje em dia você tem mais atenção do que muitos cidadãos e policiais. Antigamente você se escondia quando avistava um carro de polícia; hoje, você atira, porque sabe que numa troca de tiros o policial sempre será irresponsável em revidar. Não existe bala perdida, pois a mesma é sempre encontrada na arma de um policial ou pelo menos sua arma é a primeira a ser suspeita.
Sei que você é um pobre coitado. Quando encarcerado, reclama que não possuímos dependência digna para você se ressocializar. Porém, quero que saiba que construímos mais penitenciárias do que escolas ou espaço social, ou seja, gastamos mais dinheiro para você voltar ao seio da sociedade de forma digna do que com a segurança pública para que a sociedade possa viver com dignidade.
Quando você mantem um refém, são tantas as suas exigências que deixam qualquer grevista envergonhado.
Presença de advogados, imprensa, colete à prova de balas, parentes, até juízes e promotores você consegue que saiam de seus gabinetes para protegê-lo. Mas, se isso é seu direito, vamos respeitá-lo.
Enfim, espero que seus direitos de marginal não se ampliem, pois nossa obrigação também aumentará. Precisamos nos proteger. Ter nossos direitos, não de lhe matar, mas sim de viver sem medo de ser um policial.
Dois de seus colegas morreram, assim como dois de nossos policiais sucumbiram devido ao excesso de proteção aos seus direitos. Rogo para que o inquérito policial instaurado, o qual certamente será acompanhado por um membro do Ministério Público e outro da Ordem dos Advogados do Brasil, não seja encerrado com a conclusão de que houve execução, ou melhor, violação aos Direitos Humanos, afinal vocês morreram em pleno exercício de seus direitos."
Autor: Wilson Ronaldo Monteiro - Delegado da Polícia Civil do Pará.
COMENTÁRIOS SOBRE O TEXTO:
Esta carta reflete o pensamento do Delegado Wilson que, provavelmente, comunga com a de vários outros policiais civis e militares brasileiros, no que se refere a vários pontos abordados. No entanto, este autor incorre em um erro fundamental em sua base argumentativa ao dizer que "Todavia, não cabe a mim contrariar a lei, pois me ensinaram que o Direito Penal é a ciência que protege o criminoso...". Ao afirmar um absurdo desses, o delegado perde a razão e seus fundamentos tornam-se meras opiniões, posto que o Direito Penal não é, nunca foi nem nunca será, uma ciência para proteger o criminoso. Ao contrário, serve para o Estado proteger o cidadão e punir o criminoso, nas formas da lei, e somente com base nos limites desta lei, sem margens para extrapolações por parte dos executores da mesma. Não permite, dessarte, que policiais realizem suas "justiças", conforme suas razões e motivações pessoais.
Fazendo um paralelo ao diálogo entre Sócrates e Trasímaco, quando o primeiro pergunta como este definiria justiça e Trasímaco diz que "a Justiça não seria nada mais do que a conveniência do mais forte", conforme relatado por Platão (República, 338c), não podemos definir algo pelo que ele não deveria ser, apesar das aparências confirmarem tal impressão. Supondo ser esta definição correta, caso o mais forte pratique um ato injusto, embora conveniente para o mesmo, não estaria praticando Justiça.
O Direito existe, precipuamente, para promover a Paz Social, no sentido de atenuar os conflitos gerados nas relações interpessoais dentro de uma sociedade, estruturalmente organizada. Neste contexto, os Direitos Humanos participam diretamente também sobre aqueles que, embora tenham praticado atos condenáveis, merecem um julgamento justo, com direito a ampla defesa, como preza a Carta Magna, protegendo-os para que não sejam vítimas do exercício arbitrário, excessivo e abusivo da força. Destarte, impede que o policial, no exercício de suas atividades, tome o lugar das vítimas e passem a executar suas próprias justiças, como os grupos de extermínio.
Justamente para evitar tal possibilidade é que o homem teve que elaborar certas regras de atitudes, de premissas universais para si, para a sociedade e sua relação com cada um de seus integrantes. E esta tarefa de conferir o regular exercício do Poder de Polícia foi conferida aos Direitos Humanos.

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