terça-feira, 11 de maio de 2010

O equilíbrio precário e indesejado

A recorrência e a relevância do tema segurança pública nos debates, mais propriamente, o que o Estado faz com aqueles que prejudicam a ordem pública, merece aqui algumas reflexões mais.O que representaria, no meio social, a prisão? E o que essa representaria para aqueles que nela ingressam? Vejamos análises de alguns especialistas.
A prisão, como sistema, é sensível a estímulos externo, por suas peculiaridades – fechada sobre si mesma, com códigos próprios, negociações ininterruptas, pressões de várias ordens, envolta em equilíbrio precário, exige alta previsibilidade de comportamentos. Não se espera desse ambiente grande horizonte de mudanças ou de expectativas de mudanças e de experimentações como na administração pública, já que esses fenômenos podem prejudicar a estabilidade precariamente construída e mantida, suspendendo o que se tem por normalidade cotidiana nesse ambiente (COELHO, 2005).
A abertura do sistema prisional, entretanto, revelou à sociedade suas mazelas, deficiências, seu mundo à parte. Embora a literatura enfatize que a violência é intrínseca às prisões, há alternativas conhecidas para reduzi-la, como restringir a liberdade do preso conforme anunciam os parâmetros legais, profissionalizar a gestão das unidades, dispensando-se formas tradicionalmente utilizadas para discipliná-lo a fim de reafirmar a autoridade de guardas e diretores, e os reflexos problemáticos dessa autoridade.
A prisão pré-existe às leis penais, cumprindo seu papel de segregar indivíduos indesejados pela sociedade antes mesmo de a lei atribuir a essa a função precípua de punir. A sua atuação sobre esses indivíduos por certo sofreu transformações, pois a humanização do tratamento dos mesmos se tornou um imperativo. Foucault (1974) considera que a instituição deve ter o condão de ser completa e austera, pois a razão de sua existência é o controle a ser exercido sobre os detentos, por meio do conhecimento formado sobre esses acerca de todos os aspectos e necessidades desses indivíduos – o seu comportamento, os caracteres físicos que possuem, se têm aptidão para o trabalho, quais atitudes e disposições manifestam. Complementam esse “poder” sobre o preso a repressão e o castigo, instrumentos que coagem, moldam o indivíduo segundo as crenças, valores e objetivos da equipe de funcionários que trabalha na instituição. A prisão fornece a principal forma de punição utilizada pelas sociedades contemporâneas e esteve intrinsecamente ligada à própria formação da sociedade. Entretanto, reconhece-se que a instituição, em virtude dos contornos que adquirira, traz consigo inconvenientes e perigos. A reclusão, para os críticos, não consegue corresponder à especificidade dos crimes que visa punir, não difunde entre a sociedade o prejuízo provocado pelo cometimento de crimes, é cara e reforça os vícios e a ociosidade dos detentos. De fato, desde 1820, as prisões são alvo de críticas que apontam para o seu fracasso no que toca ao objetivo de correção e ressocialização dos indivíduos, pois se argumenta que essas instituições contribuem para aumentar a criminalidade ou transformá-la, aumentando também a reincidência. Somam-se a essas as constatações de que a prisão utiliza técnicas rudimentares, por vezes arbitrárias; na ótica dos mais céticos, consiste em uma verdadeira fábrica de produção de delinqüentes, que, através de isolamento e trabalho inútil, impõe, por meio da violência, do abuso de poder, limitações, o que é comumente justificado por aqueles que fazem parte da administração pela necessidade de fazer respeitar e cumprir as leis. A prisão é a instituição do paradoxo, diriam alguns, (PAIXÃO, 1991, p.21), assinalando que cidadãos honestos, trabalhadores, vítimas potenciais ou não da criminalidade financiam organizações que abrigam seus agressores para que sejam ressocializados e possam retornar ao convívio social. Esse paradoxo intrínseco à instituição seria suficiente para justificar o fato de não se priorizar nessas instituições a promoção do bem-estar dos detentos na sua custódia e tratamento. Esse diagnóstico é aplicável à realidade brasileira.
Há considerações atinentes ainda à corrupção, medo, despreparo e incapacidade de guardas e diretores de unidades penais, que não conseguem manter a ordem e a segurança nesses estabelecimentos, desconhecem muitas vezes a razão de ser de sua função e não estão habilitados para lidar com os detentos. As leis de execução penal tornaram-se peças retóricas e não guardam a menor proximidade com a realidade do sistema do país (COELHO, 2005).
Muitos presos permanecem no cárcere após terem cumprido sua pena . A classificação do interno, nesse sentido, diz respeito, sobretudo, à disciplina, pois impacta diretamente a ordem e a segurança do sistema, aspectos sobre os quais se concentra a gestão prisional atualmente. O tratamento dispensado aos presos, em consonância com os mandamentos legais e com os padrões humanitários e outros aspectos relacionados tornaram-se acessórios e dispensáveis. Esses regulamentos são vistos com descrença e desconfiança pelos detentos, que são muito sensíveis e atentos às precárias condições em que cumprem suas penas. Deve-se pensar, apesar de todo esse ceticismo, que grandes problemas derivam da aplicação das normas tal como se realiza pelos diretores no interior das unidades penais, que se irradia sobre os agentes de segurança penitenciária, afastando a utilização de parâmetros racionalizadores na administração cotidiana da instituição legalmente previstos. A imposição das normas sofre sensíveis variações que têm o condão de manter a ordem na prisão e gera comandos contraditórios e diferentes de orientações anteriores emanados da direção para os guardas, que ora devem resguardar a rigidez na imposição do cumprimento das normas, ora devem flexibilizar o emprego dessas. Percebem-se aí caracteres e dilemas da política de humanização no tratamento dos presos, que percebem seus benefícios e assumem postura de reivindicação e de manutenção de seu comportamento fiel à “sociedade dos cativos”, que não se baseará em colaboração com a equipe que dirige a instituição carcerária. Os presos, então, exploram essa nova situação/condição que desfrutam.
A prisão consolidou-se, pois, na sociedade, como um local de violência endêmica (COELHO, 2005). São inerentes a essa instituição o enfrentamento de dilemas como as exigências de disciplina para a manutenção da ordem e da segurança em contraposição aos direitos dos presos a serem garantidos e respeitados; qual a medida justa da punição; quais ações são legítimas para assegurar disciplina e quais são legítimas para preservar a segurança, de um lado, e o impulso punitivo e a arbitrariedade, de outro? A integridade física do preso é atingida, pois esses limites são tênues e confundidos por aqueles que os estabelecem ou que lidam com esses com freqüência. Características como a superlotação nas unidades, a escassez crônica de recursos e a brutalização dos presos são conseqüências da deterioração do sistema reforçados pelo despreparo e negligência dos diretores e guardas.

COELHO, Edmundo Campos. A Oficina do Diabo e outros estudos sobre Criminalidade. Rio de Janeiro/São Paulo: Editora Record, 2005.432 p.

FOUCUALT,Michel. Vigiar e Punir: o nascimento da prisão. Rio de Janeiro: Vozes, 29ª ed. 1984.

PAIXÃO, Antônio Luiz. Recuperar ou Punir? Como o Estado trata o Criminoso. São Paulo: Cortez, Autores Associados, 1987. 87 p.

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